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O Brasil está entre os maiores mercados da indústria automotiva no mundo, em 2023 vendeu 2.179.363 unidades entre automóveis e comerciais leves, mais de 181 mil carros por mês. No entanto o país foge à regra, atualmente não existem montadoras 100% brasileiras, porque será?

Tudo começou em 1956, quando Juscelino Kubitschek instituiu o GEIA-Grupo Executivo da Indústria Automobilística, para incentivar a produção de automóveis no Brasil, que até então apenas montava veículos com peças importadas de outros países.

A partir daí alguns loucos, corajosos e visionários partiram na realização do sonho de ter um carro genuinamente brasileiro, vamos conhecer alguns deles:

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DEMOCRATA

Começamos com a IBAP-Indústria Brasileira de Automóveis Presidente. Em 1963 a IBAP projetava fabricar 350 veículos por dia, a mesma quantidade que a Volkswagen naquela época, conseguindo atrair 90 mil investidores e chegou a construir cinco protótipos do Democrata, um cupê de luxo com linhas elegantes. O carro teria carroceria de fibra em vidro, suspensão independente nas quatro rodas e motor de seis cilindros fabricado na Itália, sendo o único item importado na montagem do carro.

Abreviando a história, a empresa enfrentou diversos problemas: Um navio vindo da Itália com motores foi interceptado com a suspeita de contrabando; o Banco Central divulgou um laudo o qual acusava a empresa de não ter a quantidade necessária de funcionários gabaritados para produzir carros em série e nem contratos com fornecedores que garantiriam a produção. Com isso, o projeto foi abandonado sem levar nenhum carro para as ruas.

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GURGEL

Em 1º de setembro de 1969, o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel fundou a Gurgel Motores. Seu primeiro carro foi o Ipanema, era um bugre com capota de lona, carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro e motorização Volkswagen a ar. Quatro anos depois, ele ganhou uma nova carroceria e outro nome, o Xavante.

Em 1987 a Gurgel apresentou o BR800 com motor Volkswagen modificado e a promessa de economia e baixo custo. Para adquirir o carro o interessado deveria comprar ações da empresa, seria uma recuperação financeira, que no momento deu certo, com mais de 1000 unidades vendidas entre 1987 e 1991. Tudo muito bonito até que o governo incentivou as indústrias produzirem carros com motores abaixo de 999 cilindradas isentando o IPI. Isso só piorou a situação financeira da Gurgel que em 1994 decretou falência.

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MP LAFER

1975

Os modelos foram criação de Percival Lafer, dono de uma fábrica de móveis, o MP Lafer era uma réplica bastante fiel do clássico inglês MG TD, mas com mecânica de Fusca e motor Boxer de quatro cilindros traseiro refrigerado a ar. Nos primeiros exemplares produzidos em 1974, foram utilizados os motores VW 1500cc, substituído pelo VW 1600cc cerca de seis meses depois. Em 1976 já contabilizavam 600 unidades vendidas.

TI 1983

Só em 1980 venderam 600 unidades; no final de 1983 o modelo TI, lançado cinco anos antes, passaria por mais uma atualização de estilo afastando-o de vez do seu grande inspirador britânico. Em 1990, a produção foi interrompida. Durante 17 anos foram construídos cerca de 4.300 automóveis, mais de mil deles exportados para dezenas de países. 

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MIURA

Top Sport

Miura é uma marca de automóveis esportivos brasileira, fundada em 1976 após o fechamento do mercado brasileiro para veículos importados. Focou sua produção em modelos esportivos, geralmente dotados de mecânica Volkswagen, montados sob chassi tubular e carroceria em fibra de vidro com desenhos próprios. Foi pioneira na apresentação do sistema de Freios ABS em 1990.

Miura BG Truck – 1995

Ao longo de 15 anos a Miura fabricou cerca de 3500 carros e encerrou sua linha de produção em série no ano de 1992, seguiu até 1997 fabricando carrocerias de luxo sob encomenda, nesse meio tempo surgiu seu último veículo, o BG Truck, uma picape cabine dupla com motor Maxion Turbo de 150cv, chassi e mecânica da Chevrolet D20 e carroceria em fibra de vidro.

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BIANCO

Bianco S

Lançada no Salão do Automóvel de São Paulo de 1976, o Bianco S foi seu primeiro produto, utilizava mecânica e motores da Volkswagen e carroceria em fibra de vidro. As suas linhas eram arrojadas para a época e foi um sucesso de vendas no salão de 1976, com encomenda de mais de 180 unidades.

Bianco Tarpan

Com uma breve passagem pela indústria automotiva, a Bianco fechou as portas em 1979 por uma divergências entre seus sócios.

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PUMA

Puma GT

Puma foi uma fabricante brasileira de automóveis esportivos e caminhões de pequeno porte. Iniciou em 1963 com o nome Lumimari em homenagem as iniciais dos nomes dos 4 sócios, mudou seu nome para Puma Veículos e Motores em 1964 e posteriormente para Puma Indústria de Veículos S/A, em 1974. Em 1986 a marca cedeu por tempo limitado os direitos de produção de seus veículos a Araucária Veículos Ltda que durou até 1988, quando foi adquirida pela Alfa Metais Veículos Ltda continuando a produção até seu encerramento em 1999. 

 A Puma utilizou em seus automóveis mecânicas DKW 3 cilindros até 1969, Volkswagen 4 cilindros refrigerado a ar a partir de 1969 e refrigeração a agua em 1990 (VW AP), General Motors 4 cilindros (GM151) e 6 cilindros (GM250S). Nos caminhões utilizou motores MWM, Perkins e Detroit. A Puma produziu no Brasil entre Automóveis e Caminhões o total de 21.891 unidades.

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INTERLAGOS

Willys Interlagos Berlineta

Willys Interlagos foi o primeiro automóvel esportivo produzido no Brasil de 1962 a 1966. É a versão brasileira do Renault Alpine A108, de linhas semelhantes ao A110. O nome é uma homenagem ao autódromo de Interlagos e visava ressaltar a esportividade do modelo.

Willys Interlagos Conversível

Foi produzido em três versões: Berlineta, Coupé e Conversível. A carroceria era em fibra de vidro (PRFV) e resina de polietileno. Possuía suspensão independente, motorização traseira de 4 cilindros em linha refrigerado a água.

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HOFSTETTER

Hofstetter foi um automóvel esportivo, fabricado pela Hofstetter Indústria e Comércio de Veículos Ltda. O seu projeto iniciou em 1973 mas só foi mostrado ao público em 1984, durante o XIII Salão do Automóvel. Inspirado no Alfa Romeo Carabo, muitos citam como o 1º superesportivo nacional.

Inicialmente era equipado com motor 1.6 e cambio de 4 marchas do Volkswagen Passat, substituído pelo motor 1.8 turbo e cambio de 5 marchas do Volkswagen Gol GT. A carroceria era em fibra de vidro, sobre um chassi próprio. Um dos destaques desse modelo estava no sistema de abertura das portas em estilo “asa-de-gaivota”, como nos Mercedes-Benz 300 SL Gullwing 1954.

Um detalhe de projeto, é que os vidros laterais não abriam, com isso para qualquer comunicação as portas tinham que ser abertas. Este detalhe foi corrigido com uma janela de correr adaptada, ficou pior. Sua fabricação iniciou em 1986 e apenas 18 unidades foram para as ruas.

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UIRAPURU

Uirapuru Conversível

Uirapuru foi um automóvel esportivo brasileiro, fabricado pela STV-Sociedade Técnica de Veículos, de São Paulo-SP. Ele é a continuação do 4200 GT fabricado pela Brasinca, seu projeto foi adquirido pela STV em 1966. Todos os modelos ofereciam como opcionais freios a disco e ar condicionado.

Uirapuru Gavião – Viatura Policial (único exemplar)

O motor era um 6cc da Chevrolet com cambio manual de 3 velocidades. Em 1967 a empresa encerrou a fabricação; ao todo foram construídos 76 exemplares do esportivo, considerando a produção do 4200 GT pela Brasinca, dois conversíveis, o protótipo SW e a viatura policial “Gavião”.

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CAPETA

Apresentado pela Willys durante o IV Salão do Automóvel em 1964, o Capeta teve uma breve fama, o suficiente para conquistar a admiração e preencher o imaginário do público, na expectativa de ser o próximo carro produzido pela Indústria Automotiva Brasileira. Mesmo sendo construída uma única unidade e desconsiderado para produção em série, o Capeta atestava a plena capacidade do Brasil em construir seus próprios carros.

Ainda que não tivesse um visual alienígena ou tampouco fosse recheado de recursos tecnológicos inviáveis para a sua época, o Capeta pode ser considerado o primeiro carro-conceito brasileiro, sob a perspectiva de ter mostrado um exercício de criatividade de um fabricante de grande porte, revelando o que poderia ser incorporado aos modelos de linha em um futuro próximo.

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FEI X3 LAVÍNIA

Em 1972 o professor Rigoberto Soler (FEI) liderou seus alunos no desenvolvimento de um carro esportivo, batizado de X3 Lavínia, “Lavínia era o nome da esposa do benfeitor da FEI-Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo”, apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo de 1972. Este único exemplar ainda existe, é exibido como um troféu. Restaurado pela FEI, ainda faz parte do acervo da faculdade, também exposto em diversos eventos da história automotiva brasileira.

A maior parte dos componentes do X3 Lavínia era do Dodge Dart, inclusive o motor 318 V8, montado em uma estrutura tubular de aço, a carroceria foi feita em forma de martelo, assim como os fabricantes de automóveis italianos. Originalmente era pintado de amarelo, hoje, após a restauração está nas cores verde metálico e dourado.

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SANTA MATILDE

Santa Matilde é um automóvel esportivo fabricado pela Companhia Industrial Santa Matilde na cidade de Três Rios-RJ, entre os anos de 1978 e 1997. A mecânica é do Chevrolet Opala, com motor 4.1L, 6 cilindros em linha. O chassi também foi desenvolvido a partir das longarinas do Opala. Durante seu período de produção, foi o veículo mais caro do Brasil.

Já no lançamento o modelo apresentou problemas nos freios, acabamento e em outros detalhes que rapidamente foram corrigidos e o modelo relançado. No total foram produzidas 937 unidades, sendo 490 do modelo Hatch, 371 do modelo coupê e 76 conversíveis.

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ENVEMO

Surgiu em São Paulo em 1966 com a finalidade de prestar serviços técnicos para a indústria automotiva; em 1979 a Envemo foi apresentada como montadora. Seu primeiro automóvel foi um clone do Porsche, chamado de Envemo Super 90 Coupe, construído sobre o chassi do Volkswagen Brasília e utilizando o motor refrigerado a ar 1.6L do Fusca, algumas unidades foram exportadas para os Estados Unidos e a Europa.

Outro sucesso da marca foi o Envemo Camper, baseado no Jeep Cherokee Sport, utilizando mecânica General Motors 4.1L. A alta qualidade na produção de seus veículos foi a responsável pelo fim da companhia, seu custo era muito elevado e com a abertura das importações em 1990, a Envemo enfrentou sérios problemas com concorrentes do exterior. Transferiu sua fábrica para a Zona Franca de Manaus numa tentativa de baratear os custos; encerrando sua produção em 1995 .

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AGRALE

Agrale é uma indústria automotiva brasileira com sede em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Produz motores a diesel, tratores, caminhões leves, chassis para ônibus além de utilitários 4X4 para uso civil e militar. É a única fabricante de caminhões e tratores de capital brasileiro atualmente em atividade.

Inicialmente os caminhões eram equipados com motores MWM 229.3 de três cilindros, ou Agrale M-790 de dois cilindros, também na versão álcool e gasolina, utilizando o motor GM 4 cilindros do Opala. Atualmente, produz caminhões que variam seu PBT de 7.500 a 22.000 kg com cabines de fibra de vidro resistentes e duráveis, equivalente às cabines de aço.

Também produz o utilitário Marruá, veículo de tração 4×4 com motor MWM SPRINT 4.07TCA-EII turbo-diesel 2,8 litros, cujos direitos de produção foram adquiridos junto à massa falida da Engesa. É fabricado nas versões jipe, camionete e caminhão leve, para uso civil e militar.

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TROLLER

A Troller foi fundada em 1995 no Ceará, nos últimos anos ganhou visibilidade com o Jipe T4 e produzindo veículos especiais, jipes militares, carro-bombeiro e destinados às operações em minas subterrâneas. Os primeiros veículos da Troller saíram da linha de produção com motor à gasolina VW AP 2.0 de 114 cv até 2001, e na sequência com motor mecânico MWM Diesel 2.8 de 115cv de potência.

Em janeiro de 2007 a Ford anunciou a aquisição da Troller, que passou a fazer parte do grupo, juntamente com Lincoln e Mercury. Em 11 de janeiro de 2021 a Ford do Brasil anunciou a sua saída do país e o fechamento de suas três fábricas, incluindo a da Troller em Horizonte, no Ceará.

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JPX

JPX do Brasil Ltda. foi uma empresa criada com o objetivo de produzir um jipe que pudesse atender ao mercado nacional de veículos utilitários. A JPX conseguiu licença para produzir o modelo A-3 da Auverland e em 1994 passou a montar uma versão semelhante na cidade de Pouso Alegre-MG, sob o nome comercial de JPX Montez e posteriormente uma picape. A montagem era com várias peças de outros veículos nacionais para baratear os custos e facilitar a reposição. O conjunto motriz era todo importado, composto inicialmente pelo motor Peugeot XUD-9A, caixa de câmbio Peugeot BA-7/5, caixa de transferência Auverland A-80, com eixos e diferenciais italianos da marca Carraro, “um verdadeiro Frankenstein”.

 A fábrica no período de funcionamento nunca atingiu o volume de vendas planejado e os veículos ficavam acumulados no pátio. Problemas técnicos no sistema de arrefecimento do motor e o despreparo da rede de concessionários fizeram com que o modelo logo fosse desacreditado. Com a queda nas vendas um crise interna se instalou, resultando na paralização das atividades em 2001.

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Constatamos diversas tentativas de produzir carros brasileiros em série, foram muitos corajosos aventureiros, como dissemos no início da matéria, todas frustradas, com exceção da Agrale, que ainda produz um segmento específico de veículos.

O que podemos deduzir:

Seus idealizadores mesmo com uma boa soma em dinheiro e a parceria de investidores, não era suficiente devido o alto valor necessário para pesquisa, desenvolvimento e produção.

Os veículos eram produzidos em fibra de vidro, o que não atraía um grande número de compradores, eles não confiavam na segurança e durabilidade do produto.

Devido ao alto valor para desenvolver motores, chassis, toda parte mecânica e acabamento esses veículo eram produzidos com peças de montadoras já estabelecidas, como Volkswagen, Chevrolet etc…

Partindo do ponto que esses veículos compartilhavam peças e acessórios de várias montadoras, o custo para aquisição dessas peças era infinitamente maior do que produzi-las, encarecendo o produto final.

Outra grande dificuldade em produzir estes veículos em grande número, era o fornecimento desses insumos, as montadoras não interessavam fornecer em larga escala e na grande maioria a montagem era artesanal em galpões rudimentares.

O tiro mortal: Com a evolução dos carros e a atualização da mecânica dos novos modelos, os projetos dos veículos brasileiros teriam que ser totalmente refeitos, o que envolveria uma alta soma de dinheiro, com certeza nenhum deles teria, (Ex: Motor e componentes do Fusca, Brasília e Opala que saíram de linha) além da abertura das importações de veículos na década de 1990 o que levou a maioria destas empresas ao fechamento.

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Matéria de Marcus Vinicius

diretoria@gasolinanaveia.com.br

Revisão de Jaderson Gomes

suporte@gasolinanaveia.com.br

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18/JAN/2024

Comments

  1. Parabéns Vinícius. Matéria muito interessante com informações esclarecedoras sobre os motivos pelos quais a indústria automotiva não prosperou no Brasil.

  2. Gostei muito da sua apresentação, mas gostaria de lembrar alguns carros que faltaram e marcaram época:
    PUMA CHEVROLET
    PUMA DKW
    PUMA MALZONI (DKW)

  3. Se não houver interesse político nada acontece. A Ford no seu início foi auxiliada absurdamente pelo governo, senão tinha falido no começo. Vc luta 50 anos por uma coisa e um político numa canetada acaba com tudo, vide a liberação da importação em 1990. Acabou com todos os pequenos daqui.

  4. Recordar é viver , parabéns a viagem no tempo e o flashback dessa matéria automobilística magnífica ! Anos dourados que vivemos …

  5. Bela matéria Vinicius! É um documento importante na preservação histórica da indústria automobilística brasileira. Quando revisa-la inclua aí o utilitário CBT. Parabéns. Um forte abraço.

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