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Livro lançado em 2016 resgata a incrível carreira de piloto gaúcho Aristides Bertuol no tempo das carreteras
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Em 17 de outubro de 2016, Aristides Bertuol chegaria aos 100 anos de nascimento. Como forma de resgatar a memória de uma das principais personalidades da cidade de Bento Gonçalves, a família decidiu reunir as façanhas do homem que ficou conhecido como piloto de corrida em um livro. Lançada no final de 2016, a obra é garantia de emoção aos aficionados por automobilismo.
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Homem de destaque em Bento Gonçalves, Bertuol tem um exemplar histórico como empresário, político e no cenário do automobilismo de competição no tempo das corridas de carretera. A obra concentra atenção na vida de Bertuol como piloto. As origens, a família e sua caminhada como empresário e político também são abordadas, mas de maneira sucinta. O foco está na velocidade.
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Entrevistas com pessoas que conheceram e vibraram com Bertuol pilotando a sua carretera são acompanhadas de um magnífico acervo fotográfico guardado pela família. Relatos do mecânico acompanhante de Bertuol, Ernani Herrera; bem como lembranças do jornalista Heron de Lorenzi, repórter que escrevia matérias das corridas para diferentes meios de comunicação, estão transformadas em histórias emocionantes impressas nas 232 páginas do livro.
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Os admiradores de Bertuol poderão conhecer fatos que poucas pessoas sabem e que ainda estão vivas na memória daqueles que assistiram as corridas entre 1948 e 1969, tempo em que Bertuol atuou como piloto. Durante o período em que esteve à frente de um volante para competir, participou de 54 corridas. Em 27 vezes esteve no pódio. Foram 14 vitórias, sete segundos lugares e seis terceiros. Sua estreia nas pistas aconteceu em 26 de setembro de 1948, na Copa Rio Grande do Sul, cujo desempenho não foi dos melhores, pois teve que abandonar a corrida. A primeira vitória apareceu rápido. Na segunda disputa, em março de 1949, vence o IV Grande Prêmio Cidade de São Paulo, uma prova de autódromo, em Interlagos.
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O primeiro carro de corridas do homem que estava se transformando em piloto foi o próprio veículo de passeio, um Chevrolet Fleetline 1948, também conhecido como Sedanete. No entanto, é com a carretera número 4 que Bertuol fez história. Um Chevrolet Coupe 1939, que também teve outros números estampados na sua lateria, foi a máquina de vencer do piloto que era proprietário de uma concessionária Chevrolet em Bento Gonçalves.
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Com esse carro e muito talento, Bertuol conquistou aquelas que são as principais glórias do automobilismo brasileiro na era das carreteras. Ganhou diferentes provas no autódromo de Interlagos, em São Paulo. Venceu uma edição das Mil Milhas Brasileiras. Levantou taças de campeão gaúcho e estabeleceu recordes, como a vitória na etapa Rio de Janeiro/São Paulo na II Grande Prova Automobilística Getúlio Vargas.
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Com vitórias, simpatia, seriedade e amizade, Bertuol ganhou apelidos ao longo da carreira que refletem o sucesso como piloto. “Intrepidante Aristides Bertuol” e “O ás do volante” são algumas das expressões utilizadas para se referir à habilidade do competidor que quase chegou à Fórmula 1.
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II GRANDE PRÊMIO AUTOMOBILÍSTICO GETÚLIO VARGAS
Em 1941, foi realizada a primeira edição do Grande Prêmio Automobilístico Getúlio Vargas, uma prova de 3.371 quilômetros por estradas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Ao término de sete etapas, disputadas em oito dias, o argentino Juan Manoel Fangio foi o vencedor. Pilotando uma carretera Chevrolet, completou o extenso trajeto em 43h12min34seg.
11 A 15 DE NOVEMBRO DE 1951
Dez anos depois, Wilson Fittipaldi e a Rádio Pan-americana organizaram uma competição automobilística de velocidade e resistência, promovendo a segunda corrida que homenageou Getúlio Vargas, presidente do Brasil. Apoiada pelo Automóvel Clube do Brasil, a disputa de 2.136 quilômetros foi realizada em quatro etapas: São Paulo/Uberaba; Uberaba/Belo Horizonte; Belo Horizonte/Rio de Janeiro; Rio de Janeiro/São Paulo. Fittipaldi aproveitou a ocasião da inauguração da primeira pavimentação da rodovia Via Dutra para estabelecer o roteiro.
Agendada para acontecer de 11 a 15 de novembro, a competição fez parte das celebrações da Proclamação da República e contou com suporte financeiro do governo federal. Além disso, recebeu apoio do governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, e do governador de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez.
Inserida na história do automobilismo como uma das mais marcantes competições de velocidade já realizadas no Brasil, o II Grande Prêmio Automobilístico Getúlio Vargas tem lugar especial na carreira de piloto de Aristides Bertuol. O resultado obtido está além do significado de uma vitória. Está eternizado na linha do tempo das corridas de carretera.
A história de Bertuol nessa disputa começa ao lado de Catharino Andreatta. Após a vitória do piloto de Bento Gonçalves no III Circuito da Pedra Redonda, os dois volantes gaúchos saíram juntos de Porto Alegre rumo a São Paulo, cada um com sua carretera. Bertuol na Chevrolet 1939, acompanhado pelo mecânico Hernani Herrera. Andreatta com seu Ford 1940, na companhia de Homero Zani. No caminho até a capital paulista, local da largada, Bertuol andou na carona de Andreatta e vice-versa. Ambos aproveitaram a viagem para experimentar os carros, trocar ideias e planejar a participação na corrida, a mais longa competição dentre as que haviam participado. Em São Paulo, uniram-se aos demais inscritos.
Às 9 horas da manhã de 11 de novembro de 1951, os pilotos partiram da Via Anhanguera de um em um minuto para desafiar os 601 quilômetros da primeira etapa, entre São Paulo e Uberaba, em Minas Gerais. Com a marca “Vinhos Único”, da Cia. Mônaco, pintada no capô, o carro de Bertuol foi o 18º a largar, às 9h17min de domingo.
A representação gaúcha divulgada pela Rádio Pan-americana era formada por Antônio Burlamaque, Oscar Bay, Alfredo Ribeiro Daudt, Argemiro Pretto, Alcides Schroeder, Diogo Elwanger, Ernesto Stiller, Aristides Bertuol, Waldir Rebeschini, Simão Chedid Sobrinho, Fausto Smiscalchi, Aido Finardi, Orlando Menegaz, João Galvani, José Fiadi, José Madrid, José Otero, José Rimoli, Júlio Andreatta, Catharino Andreatta, Fernando Silva e Jaime Rossler. Nem todos esses nomes correram de fato. A lista de inscrição da competição tinha 56 pilotos. Houve 18 desistências antes da primeira largada.
Uma multidão aguardava à beira de estradas ou nas ruas centrais de cada cidade para ver os carros passarem. Por caminhos desconhecidos, Bertuol acelerou guiado por um mapa e por placas indicativas espalhadas ao longo do percurso. Um documento fornecido pela organização auxiliava a equipe de piloto e mecânico a não se perder pelas estradas.
Por alguns quilômetros, Bertuol e Herrera perderam minutos preciosos da corrida numa estrada que não fazia parte do trajeto, no interior de Minas Gerais. O equívoco representou perda de tempo e atraso na busca da vitória. Júlio Andreatta percorreu os 601 quilômetros em 5h12min35seg2/10 e venceu a primeira etapa. Apesar do erro, Bertuol conquistou o terceiro lugar, com o tempo de 5h40min02seg.
Embora a etapa com chegada em Uberaba já estivesse encerrada, a dupla de competidores de Bento Gonçalves ainda teve muito trabalho durante a noite. Depois de ajustes feitos por seu mecânico numa oficina local, Bertuol saiu para testar a barata na madrugada. Herrera acompanhou o barulho da carretera até não ouvir mais o motor. Minutos depois, o piloto retornava a pé. Um guincho foi usado para rebocar o Chevrolet, que apresentou problemas no disco de embreagem.
Com a dificuldade solucionada, na manhã seguinte, Bertuol alinhou seu veículo junto aos demais competidores para a largada da segunda etapa, de Uberaba a Belo Horizonte. Dessa vez, o desafio era pilotar 587 quilômetros pelas estradas de chão mineiras. A alta velocidade dos carros levantava verdadeiras nuvens de poeira ao longo do trajeto, atrapalhando a visibilidade. O rendimento da carretera número quatro não foi dos melhores. O mecânico percebeu que a pressão do óleo baixava consideravelmente e pediu para Bertuol parar. Um cano furado provocava vazamento do líquido mineral.
Numa corrida de longa duração, um auxílio extra era fundamental. Hélio Giovannini, funcionário de Bertuol na Chevrolet, em Bento Gonçalves, acompanhava a prova em outro carro, levando peças de reserva. O apoio foi providencial para o mecânico Herrera consertar o vazamento e deixar a carretera em condições de continuar a disputa.
Bertuol encerrou o dia em sexto lugar, 19 minutos atrás do vencedor da etapa, Francisco Landi. Fora da briga pela vitória na classificação geral, pois o Nash com o qual competia apresentou problemas para participar da etapa um, Landi percorreu os 587 quilômetros em 6h08min31seg.
Do posto de cronometragem final em Belo Horizonte, Bertuol e Herrera foram diretamente para a oficina de uma concessionária Chevrolet, na capital mineira. No lugar, tiveram muito trabalho. O mecânico precisou fazer diversos ajustes e trocar o virabrequim, mancal de linha e pistões. Enquanto solucionavam os problemas, Waldir Rebeschini, o outro representante de Bento Gonçalves na disputa, chegou à oficina. A Ford Coupé do piloto, que andou ao lado do mecânico Renê Beltram, estava bastante avariada. Com leves ferimentos pelo corpo, Rebeschini explicou que não conseguiu vencer uma curva e acabou capotando a carretera depois da passagem pela cidade de São Gotardo. Integrantes da equipe de reportagem do jornal “A Gazeta Esportiva”, de São Paulo, ajudaram-no a desvirar o carro. O acidente o impediu de disputar a etapa três, de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.
Distante dos pilotos, o público de diferentes partes do Brasil acompanhava a corrida pelas ondas da Rádio Pan-americana, idealizadora do evento esportivo. Para conseguir transmitir as informações, postos de comunicação foram instalados em algumas cidades. De diferentes lugares, o locutor Wilson Fittipaldi relatava a passagem dos carros e a situação das etapas. Além disso, uma caminhonete da emissora seguia a corrida, enviando notícias sobre acidentes e descrevendo o interesse das pessoas pelo Grande Prêmio.
A fase que levou os participantes de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, capital federal do país, foi disputada por 23 dos 38 pilotos que largaram na primeira etapa. Nos 550 quilômetros a serem percorridos, a organização chamava a atenção dos participantes para pilotarem com cuidado, uma vez que o fechamento total das estradas era algo que poderia não acontecer conforme previsto. O trânsito de caminhões era uma das dificuldades a ser vencida pelos pilotos.
Quando chegou ao Rio de Janeiro, às 15h32min27seg, Bertuol encerrava a participação na etapa. Sem nenhum problema registrado ao longo do percurso, havia conquistado a terceira posição, com o tempo de 6h29min27seg. Dessa vez, o ganhador foi Catharino Andreatta, com 6h23min33seg. Os resultados obtidos até então colocavam Bertuol em segundo lugar na classificação geral. A imprensa paulista e carioca enalteciam o desempenho dos representantes do Rio Grande do Sul.
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Depois da chegada ao Rio de Janeiro, pilotos e mecânicos ganharam um dia de folga. A parada serviu para descansar e fazer ajustes nos carros com mais tranquilidade. O dia seguinte reservava muitas surpresas aos gaúchos. A primeira delas foi a presença de Getúlio Vargas. O presidente do Brasil cumprimentou os participantes e participou da largada simbólica, no Palácio do Catete, sede do Governo Federal.
A saída oficial aconteceu na Avenida Brasil. A previsão era que os pilotos conseguissem percorrer em três horas os 398 quilômetros da recém-inaugurada pavimentação da Via Dutra. Quando pisou no acelerador da carretera, às 10h02min, Bertuol partiu para fazer história no automobilismo brasileiro. Chegando a atingir velocidades de até 210 km/h, o ás do volante de Bento Gonçalves pilotou com habilidade para cruzar a linha de chegada, em São Paulo, às 12h58min07seg. Embandeirado pelo prefeito da capital paulista, Armando de Arruda Pereira, Bertuol superou os 398 quilômetros em 2h56min07s1/10. O resultado garantiu a ele o primeiro lugar da etapa, com a incrível média de 133,861 km/h.
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Mais do que vencer, estabeleceu o recorde de tempo entre o Rio de Janeiro e São Paulo pela rodovia de pista simples que ainda não estava totalmente asfaltada e possuía alguns desvios. A marca histórica é reconhecida pelo próprio organizador da corrida, no livro “A saga dos Fittipaldi”, escrito pelo jornalista Lemyr Martins.
Ao término dos cinco dias de intensa disputa, o saldo foi um excelente desempenho gaúcho. Júlio Andreatta conquistou a liderança da classificação final. Bertuol, além da vitória na última etapa e do registro de recorde, obteve a segunda posição na competição. Dos dez primeiros lugares, sete foram conquistados por representantes do Rio Grande do Sul. As posições alcançadas confirmaram os gaúchos como os melhores pilotos estradeiros do Brasil.
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Reprodução da ‘Livreta de Percurso’ da carretera número quatro com o nome do piloto e mecânico e o registro do tempo recorde obtido na última etapa.
Além de vitórias, a carreira de Bertuol também é marcada por acidentes incríveis. Em dezembro de 1949 vai a São Paulo para participar do Grande Prêmio Washington Luiz, uma prova de estrada em três etapas entre São Paulo/Ribeirão Preto/Sorocaba. Porém, Bertuol abandonou a prova após cair de uma ponte e parar dentro do rio. Em dezembro de 1952, no XII Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, numa corrida de monoposto no Circuito da Gávea, ele derrapa nos trilhos do bonde, sai da pista, bate num carro que também havia saído do trajeto no mesmo lugar e atropela três pessoas que assistiam a prova.
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Momentos incríveis registrados para contar a história de um homem digno de ter sua vida transformada em um livro. Trajetória de um homem cujo nome é a mais alta condecoração de Bento Gonçalves com a “Medalha Aristides Bertuol”. Uma pessoa que também está eternizada como nome de rodovia, de estádio de futebol e de pista de kart.
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Contar sua história é narrar o percurso de um piloto que marcou época no Brasil na era de ouro do automobilismo brasileiro. Falecido em 1979, vítima de câncer, Aristides Bertuol permanece vivo na memória das pessoas que acompanharam as corridas de carretera e que agora vêem a oportunidade de reencontrá-lo por meio do livro lançado no centenário de seu nascimento.
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Emerson Fitipaldi Fabiano Mazzotti Gilberto Mejolaro
Com prefácio de Émerson Fittipaldi, tem autoria de Fabiano Mazzotti e Gilberto Mejolaro e constitui-se em um livro indispensável na estante de qualquer apaixonado por automobilismo.
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- LIVRO: Aristides Bertuol – O piloto da carretera nº 4
- Preço de R$ 90,00
- 232 páginas
- Todo colorido
- Capa dura
- Tamanho de 25cm de altura x 28 cm de largura.
- Entrega para qualquer lugar do Brasil via Correios.
- Contatos com o autor
- Fabiano Mazzotti
- (54) 9 9991 6778
- fabiano@fabifoto.com.br
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Matéria de
Fabiano Mazzotti
fabiano@fabifoto.com.br
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06/maio/2020
História interessante. Conheço o Sr. Aldir hélio Bertuol. Deve ser parente próximo
Me sinto um cara de muita sorte, um abençoado, conheci, convivi e aprendi muito sobre mecânica com um dos mecânicos dessas carreteiras incríveis, o meu amigo JOÃO NASCIMENTO.
OUVIA AS HISTORIAS DAS CORRIDAS e. Os aprendizados inusitados…
Simplesmente demais.
Excelente material, história do nosso automóvel.